quinta-feira, 20 de setembro de 2012

JOÃO PINHEIRO DA SILVA - ENTREVISTA VIRTUAL

Governador que implantou os Grupos Escolares e o ensino público no estado de Minas Gerais. Referência nacional como republicano e como governador que seria indicado para presidência do Brasil, não tivesse falecido em 1908, no Palácio da Liberdade – Belo Horizonte.  
AUTOR: Rogério Alvarenga 

Apresentação
Esta entrevista virtual com João Pinheiro da Silva nos traz à memória fatos ocorridos no final do século XIX e no alvorecer do século XX.
João Pinheiro ocupou o cargo de Presidente do estado de Minas Gerais por duas vezes. Uma, na antiga Capital, Ouro Preto e a segunda, na nova Belo Horizonte, apos 9 anos da sua implantação, ocorrida em 1897. João Pinheiro cuidou das coisas do estado e deixou como herança para a sua esposa, um nome respeitado, 12 filhos jovens, dívidas da Cerâmica de Caeté, e inúmeros amigos leais.

ENTREVISTADOR:
Senhor Presidente do estado de Minas Gerais! Cumprimento-o solenemente, no momento em que a República, tão almejada pelos jovens políticos, nesse final do século XIX, encontra-se implantada e em pleno exercício!
JOÃO PINHEIRO
Cumprimento-o também, com muito afeto e consideração! Lutamos por ela, pela república, desde o tempo do meu curso jurídico na Faculdade de Direito de São Paulo. Tive colegas brilhantes e todos nós, unidos, nos empenhamos em consolidar o regime republicano no Brasil.
Entrevistador - Presidente ou governador do estado de Minas Gerais?
JP - Na época, o cargo era de presidente, mas com as funções correspondentes a governador.
Entrevistador - Lutando pela república, isto é, contra a monarquia, contra dom Pedro II?
JP - Exatamente. Sempre inspirados no positivismo de Augusto Comte, no sentido da realidade concreta e na negação às teorias e ao debate estéril, sem objetividade. O poder do povo.
Entrevistador - Mas esse mesmo positivismo não confrontava princípios da religião católica da época?
JP - É verdade. Entretanto, não entrávamos em conflito religioso. Minha formação cristã era muito forte, pois sempre acompanhei os preceitos da igreja católica, Recebi instruções do meu professor, Padre João de Santo Antônio. 
Entrevistador - Mas o senhor é filho de imigrante?
JP - Sim! Meu pai, Giuseppe Pignataro, era imigrante italiano, funileiro. Pobre! Naturalizou-se brasileiro com o nome de José Pinheiro da Silva. Ele fez a tradução livre do seu nome para o português e ainda queria ter um sobrenome bastante divulgado no Brasil...Acrescentou “Silva”, para ser realmente brasileiro.
Entrevistador - E casou-se com brasileira?
JP - Casou-se com Carolina Augusta de Morais, natural de Caeté. O casamento foi realizado em 1854, na capital Ouro Preto. Em seguida, fixou residência na cidade do Serro.
Entrevistador - O senhor é o filho mais velho?
JP - Meus pais tiveram três filhos homens. José, nascido em 1856, João, em 1859, falecido antes dos 12 meses. E, finalmente, eu, João, nascido em 16 de dezembro de 1860. Todos nós nascemos na cidade do Serro.
Entrevistador - E como era a vida na cidade do Serro, nessa época?
JP - Muitas dificuldades. Meu pai faleceu em 1870, portanto eu tinha apenas 10 anos de idade. Meu irmão, José, entrou para o seminário, tornou-se padre, em 1879. Minha mãe retornou à sua cidade natal, Caeté. Eu também estive no seminário de Mariana, estudando gratuitamente, sob os cuidados do padre João de Santo Antônio, mas até a época em que pude prestar exames na Escola de Minas de Ouro Preto.
Entrevistador - A família não tinha bens?
JP - Minha mãe, depois de viúva, passou por grandes dificuldades, socorrida por parentes e amigos, vivendo em Ouro Preto, Guanhães e finalmente na sua cidade de Caeté.
Entrevistador - O senhor não quis tornar-se padre, mesmo estudando no Seminário de Mariana?
JP - Tinha outros itinerários para a minha vida. Estudei muito e fiz os exames, logo que me julguei capaz, para ingressar na Escola Engenharia de Minas de Ouro Preto. Aprendi na História a incessante luta dos oprimidos contra os opressores, até mesmo no cenário de Ouro Preto. Eu era um plebeu atrevido, disposto a lutar contra o patriarcado e a monarquia.
Entrevistador - Formou-se em engenharia?
JP - Abandonei o curso no terceiro ano. Vi que não era isso que queria para a minha vida. Eu sou obstinado e sei o que quero desde a minha infância. Meu pai e minha mãe moldaram minha personalidade para uma vida de liberdade e de vontade própria. Sempre soube traçar o meu destino. Sei o rumo do meu barco.
Entrevistador - E para que rumo foi o seu barco?
JP - Para a Faculdade de Direito de São Paulo! Como fui? Nem posso imaginar as dificuldades que passei e nem imaginar o desespero de minha mãe e de meu irmão, vendo-me partir tão desprotegido pela sorte. Tinha que lutar. O meu pai, Giuseppe, não veio de muito mais distante? A minha viagem, em comparação, era muito menor e muito menos perigosa. Mariana e Ouro Preto impuseram obstinação nas minhas vontades e força no meu coração
Entrevistador - Em São Paulo? Na mais famosa Faculdade de Direito do país!
JP - Sobrevivi! Lutei muito! Minha força de vontade, entretanto, era maior do que as dificuldades. Não tinha passagem de volta! Consegui me matricular no ano de 1883. Fui um aluno de mérito e de destaque entre tantos outros exponenciais da época. Lá estavam, como colegas, Washington Luiz, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, Afonso Arinos, Mendes Pimentel, Raul Pompéia, entre outros.
Entrevistador - Como sobreviveu?
JP - Trabalhei como revisor de jornais e lecionava para me manter. Por concurso, tornei-se Preparador de Física da Escola Normal da República.
Entrevistador - Conseguiu formar-se na Faculdade de Direito?
JP - Claro que sim! Terminei o curso jurídico, recebendo o diploma em 18 de novembro de 1887. Tinha então 27 anos de idade. 
Entrevistador - Com o diploma na mão, que rumo tomou?
JP - Abri uma banca de advocacia em Ouro Preto, então capital de Minas Gerais, onde me dediquei a trabalho intenso. Precisava ganhar dinheiro e continuar a minha luta pelos meus ideais republicanos.
Entrevistador - Continuou também o seu engajamento político, iniciado na Faculdade de Direito?
JP - Inevitavelmente!  A par do meu trabalho no campo jurídico, comecei a me entrosar com os simpatizantes do movimento republicano da capital Ouro Preto. Participei da fundação do Partido Republicano, fundado em 4 de junho. Fundamos o Clube Republicano em 1888. Fundamos também um jornal “O Movimento”, com pregação da abolição da escravatura e dos ideais republicanos. 
Entrevistador - E continuou republicano?
JP -  Sou republicano desde moço. Minha conduta é republicana. Minha formação! Meus ideais! Meus princípios dentro do positivismo de Augusto Comte, o filósofo francês que deixou marcas até na nossa bandeira: “ordem e progresso”! Sempre preocupado com o progresso.
Entrevistador - Já era casado, nessa época?
JP - Casei-me com a linda Helena de Barros, em 25 de janeiro de 1890, portanto, quando já tinha 30 anos de idade. Tivemos a felicidade sempre perto de nós, numa união que nos proporcionou a alegria e a vontade de viver. Sempre estávamos juntos nos nossos ideais e na nossa disposição para enfrentar as intempéries desta vida.
Entrevistador - Logo foi chamado a integrar-se ao governo do estado?
JP - Sim. Fui convidado para Secretário, por nomeação do Governo Provisório e, mais tarde, para Vice-Governador.
Entrevistador - E depois, a governador?
JP - Quando da indicação do governador Cesário Alvim para o alto cargo de Ministro do Interior, fui conduzido conseqüentemente ao governo do estado. Esclareço que sempre fui amigo e fiel companheiro do governador Cesário Alvim. Seguia-lhe os passos e nunca deixei de dedicar todo o meu reconhecimento e a minha amizade a ele.
Entrevistador - E assim, assumiu, tão repentinamente, o governo do estado!
JP - O governador Cesário Alvim passou-me o cargo, pois eu era o primeiro Vice-Governador. Uma consequência natural. Nesse cargo fiquei no período de 11 de fevereiro a 24 de agosto de 1890, quando fui substituído por Chrispim Jacques Bias Fortes.
Entrevistador - Foi o ponto inicial de sua brilhante carreira política?   
JP - Candidatei-me ao Congresso Constituinte Federal e fui eleito em 15 de setembro de 1890, como representante de Minas Gerais, na comissão composta de 21 membros, um de cada estado da Federação.
Entrevistador - Mas o senhor, algum tempo depois, tomou uma medida drástica!
JP - Acontecimentos inesperados na vida de um político! Meu amigo e correligionário, Cesário Alvim, estadista republicano, em 17 de fevereiro de 1892, renuncia ao seu segundo período como governador de Minas Gerais. Em ato contínuo, eu, como amigo e companheiro, me afastei da política imediatamente, como gesto de solidariedade.
Entrevistador - Um gesto de fidalguia, de gratidão a um amigo e correligionário republicano, mas uma carreira política alvissareira transformada em pó!
JP - Mesmo que fosse transformada em pó, contanto que a amizade e a fidelidade partidária fossem mantidas. Meus valores mais íntimos teriam me obrigado a atos muito mais audaciosos do que esse. Nunca me arrependi.  Minha vitória é a voz da minha consciência partidária.
Entrevistador - Um brilhante republicano, de formação jurídica assegurada, sem rumos para o seu barco, novamente!
JP - Meu barco nunca esteve sem rumo. Adquiri a Chácara do Tinoco em Caeté, com o objetivo de instalar uma indústria de cerâmica em louças finas e porcelana. Iniciar a era da industrialização na cidade de minha mãe e de meus familiares maternos. Era a Cerâmica de Caeté! .
Entrevistador - Um ex-governador comandar uma pequena e incipiente indústria de louças? Parece, a meus olhos, uma queda vertical, sem desmerecer os ideais de industrialização que apossaram dos jovens da época.
JP - Realmente pode parecer que assim ficou na imaginação dos companheiros e amigos. Foi, sem dúvida, uma retirada estratégica. Entretanto, pude armazenar forças, viver com a minha família, com meus filhos... Sentir a vida chegar e a vida passar, na construção de um lar.
Entrevistador - Na Chácara do Tinoco?
JP - Esta Chácara do Tinoco foi adquirida por mim em 14 de abril de 1892, por quatro contos e quinhentos. Ela servia de residência ao Barão de Cocais. Agora abriga a família do Oleiro de Caeté! Esta é a terra da minha mãe, Carolina, que nos abriga e nos faz unidos e felizes,
Entrevistador - E o novo jurista industrial transferiu sua residência para a cidade mineira de Caeté!
JP - Deixamos Ouro Preto, a nossa capital, em 1894, com muito pesar pelas amizades conquistadas, mas certo de que estava trilhando outros ideais. Nunca perdi meu rumo e meu objetivo de vida. .Se eu tomei uma decisão é porque havia uma força maior me impulsionando isso. O ser humano tem todas as condições para tomar qualquer decisão em sua vida.
Entrevistador - E fez a mudança dos seus bens e de sua família!
JP - Com as dificuldades naturais, fizemos nossa viagem até Caeté, com Helena e nossos três filhos.
Entrevistador - Compreendo essas dificuldades da época. Mas a indústria teve sucesso?
JP - Muito trabalho. Tivemos que importar máquinas e contratar trabalhadores estrangeiros. Trabalhamos com afinco e tivemos ainda que construir modelos para melhor desempenho e produtividade. Inventamos o mono-rail, isto é, um carro sobre um só trilho para transportar o barro, nossa matéria prima.  E tivemos que introduzir outros modelos ao processo de produção, para facilitar o trabalho humano, aumentar a capacidade das máquinas, diminuindo custos e aumentando resultados.
Entrevistador - Na nova vida na cidade de Caeté, conseguiu, afinal, dedicar-se exclusivamente à sua indústria, abandonando suas aspirações políticas!
JP - Inicialmente, parece que sim. Mas as contingências humanas são fatores que nos obrigam a despertar nossas paixões, por mais recalcadas que elas estiverem no nosso inconsciente.
Entrevistador - Novos amigos, novas contingências, novo envolvimento político?
JP - Acredite! Como num passo de mágica, me envolvi novamente no meio político municipal, E, dessa vez, fui conduzido a presidente da Câmara Municipal e Agente Executivo de Caeté, em 1o. de janeiro de 1899. Nessa época, Ouro Preto já não era mais a capital do estado de Minas Gerais.
Entrevistador - A capital do estado de Minas Gerais foi transferida para Belo Horizonte!
JP - Exatamente! Em 1897! O presidente do Congresso Mineiro, Chrispim Jacques Bias Fortes, no dia 12 de dezembro de 1897, instalou a nova capital, edificada numa região central do estado, equidistante, na medida do possível, de todos os seus municípios.
Entrevistador - E o novo Partido Republicano Mineiro, o famoso PRM?
JP - Na nova capital do estado, Belo Horizonte, foi realizada a convenção do Partido Republicano Mineiro, com a finalidade de indicar um candidato próprio à presidência do estado, nas eleições do ano próximo.
Entrevistador - E o senhor foi o indicado pelo PRM como candidato à presidência do estado?
JP - E fui eleito também presidente do estado de Minas Gerais nas eleições realizadas no dia 7 de março de 1906, para o quadriênio 1906/ 1910, tendo como companheiro de chapa Júlio Bueno Brandão.
Entrevistador - E para a Presidência da República?
JP - Foi eleito Afonso Pena, também representante do PRM.
Entrevistador - Senhor Presidente do estado de Minas Gerais, ou melhor, Governador! Quais as metas?
JP - Duas metas básicas: agricultura e educação. E mais: restauração do sistema econômico do estado, reforma do ensino e reorganização da justiça pública.
Entrevistador - E quais foram as principais ações para atingir os resultados propostos?
JP - Na agricultura, implantar novos métodos de trabalho, com a utilização de máquinas e implementos agrícolas, com a busca incessante de experiências conquistadas pelos povos mais desenvolvidos. Acompanhei de perto a implantação, organização e desenvolvimento de núcleos agrícolas, para disseminar conhecimentos e técnicas.
Entrevistador - Acompanhava de perto esse trabalho?
JP - Com todas as dificuldades de transporte da época, estava sempre presente, verificando a implantação de novos métodos de trabalho nos núcleos agrícolas.
Entrevistador - Mas quanto à educação e ao ensino?
JP - Instituí o sistema dos GRUPOS ESCOLARES, no estado. Uma ideia antiga, uma lacuna que o sistema republicano não podia suportar. Eu mesmo, antes da morte do meu pai, com as nossas dificuldades financeiras, tive que ser alfabetizado por esmola. Sempre tive meu coração amargurado por isso. Só havia escolas isoladas, com um professor que atendia a um grupo de alunos com formação heterogênea, isto é, em diversos níveis de desenvolvimento no processo de alfabetização, de escrita, de leitura e de contas.
Entrevistador - E como foi?
 JP - Tive a sorte de ter nomeado como Secretário de Estado do Interior o grande e valoroso amigo, Manoel Tomás de Carvalho Brito. Era um ousado intelectual, com ampla visão de futuro. Nós, Juntos,  elaboramos o projeto de desenvolvimento do ensino mineiro e implantamos sem mais delongas.
Entrevistador - Em que consistia esse projeto?
JP - Administração pública responsável pela manutenção do ensino primário, realizado em locais adequadamente preparados, com professores remunerados pelo estado, gratuidade total por parte dos alunos e obrigatoriedade de os jovens frequentarem as escolas, então organizadas. No artigo 22 do Decreto, previa a construção de prédios escolares, aquisição de equipamentos. O mobiliário seria de escolha e adoção do governo.  
Entrevistador - Ensino público, gratuito e obrigatório!
JP - Isso mesmo. Assinei a Lei no. 439 de 28 de setembro de 1906 e fizemos, não uma reforma no ensino, mas a sua implantação definitiva, a bem da cultura mineira. Envolvia o ato normas de funcionamento do ensino primário, normal e superior. Essa lei foi regulamentada pelo Decreto 1969 de 3 de janeiro de 1907.
Entrevistador - E o senhor acompanhou o processo de criação dos Grupos Escolares?
JP - Pessoalmente, quando podia. Fui à inauguração do Grupo Escolar em Diamantina. Dona Julia Kubitschek era uma das professoras de uma das escolas isoladas. Os professores tinham exaustivo trabalho, em redobrado esforço, pois ensinavam alunos de quatro classes ao mesmo tempo. Nunca aceitei esse procedimento. Agora, cada professora cuidava de apenas uma classe. Fomos pessoalmente à inauguração do Grupo Escolar de Diamantina. Juscelino Kubitschek tinha na época 4 anos de idade e acompanhava a sua mãe, à nossa chegada na cidade.
Entrevistador - Houve uma grande recepção!
JP - Com justiça, foi uma grande participação da população a esse acontecimento. Depois, seguimos para a minha cidade do Serro, onde fizemos também outra inauguração de Grupo Escolar.
Entrevistador - Uma revolução social e uma conquista do povo mineiro!
JP - Uma conquista do povo mineiro, acompanhando os povos mais civilizados do mundo. Hoje, talvez, muitas pessoas não estejam seguras quanto ao valor do nosso empreendimento. Mas, confesso que, para mim, naquele momento, foi uma das maiores e, talvez, a mais significativa e gratificante ação do meu governo.
Entrevistador - Seu filho, Israel Pinheiro da Silva, construiu uma capital, o senhor construiu um estado, pelo desenvolvimento cultural sem limites de tempo, de espaço, na formação dos valores e princípios de um povo.
 JP - Tinha convicção inabalável do que estava fazendo. Nunca, ninguém, me tiraria o entusiasmo desse empreendimento.
Entrevistador - O senhor  também criou o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais! 
JP - Juntamente com centenas de outros companheiros, intelectuais e historiadores,  fundamos esse centro de cultura e de documentação da história de nossa terra.
Entrevistador - É uma instituição que agora completou o seu primeiro centenário e foi erigida pela sua orientação e sua fé.
JP - Realmente, não posso negar. A ata de instalação do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais foi lavrada pelo suplente do 2o. secretário, Luiz Peçanha e assinada por mim, no dia 15 de agosto de 1907, às 3 horas da tarde, no salão da Câmara dos Deputados. Como fundador, assumi também o cargo de seu primeiro presidente, o que muito me honra.
Entrevistador - Decisões superiores  interromperam o seu mandato, embora houvesse uma corrente política que acreditava que o senhor seria o novo presidente do país, na sucessão natural de Afonso Pena. Seria por certo, o novo presidente da república.
JP - Inevitavelmente, foram decisões superiores que interromperam a minha jornada política. Minha energia vital foi se esvaindo por moléstia incurável e avassaladora.  Tive que me curvar diante dessas decisões superiores que se me enlaçaram para o final da minha vida. Um câncer na laringe me atacou irremediavelmente.
Entrevistador - Um desastre!
JP - Um desastre! O padre João de Santo Antônio, que me acompanhou e me orientou pela vida afora, que me trouxe o batismo quando era criança na cidade do Serro, também trouxe para mim a sua presença com os derradeiros sacramentos e suas benditas mãos fecharam os meus olhos para sempre.  
Entrevistador - Morria assim o grande estadista mineiro!
JP - Nada mais a discutir com relação a ordens superiores. Deixei a presidência do estado de Minas Gerais no dia 25 de outubro de 1908, com 48 anos de idade.
Entrevistador - E a sua família?
JP - Quando revejo o dia da minha despedida, me converto em lágrimas. A minha querida Helena, minha esposa e companheira, teve que enfrentar muitas dificuldades na criação dos nossos filhos. Sempre me preocupei com a economia do estado e me esqueci de formar um patrimônio para a minha própria família. Helena, hoje, por onde começar? Me perdoe!  Que fazer? Não posso me erguer e nem meus pensamentos voariam para solucionar questões insolúveis. Deixei-lhe o legado de um nome respeitado, uma família de doze filhos, além das dívidas da Cerâmica de Caeté, muitos amigos leais e um grande problema: não possuir nem casa para morar. Meu filho mais velho, Paulo, tinha 16 anos e a filha mais nova, Ruth, apenas, seis meses. Antevi, minutos antes das minhas despedidas, que a herança maior que poderia ter deixado mesmo, seriam as minhas palavras, por tantas cartas que escrevi a meus filhos, o meu exemplo, exemplo de lealdade para os meus amigos e correligionários, e a minha vida de ação. 
Entrevistador - E o seu filho Israel foi o construtor de Brasília!
JP - Um poder místico de sua firmeza de caráter e de sua coragem. Ele sempre relia as minhas cartas e mantinha contato comigo em planos de meditação constante. As palavras simples e contundentes traziam para Israel uma mensagem de poder e de obsessão. Essas cartas foram o instrumento de nossas conversas em meditação profunda. Via que ele sempre saía com os olhos marejados de lágrimas e me abraçava e me beijava nas minhas cartas. Simples cartas de palavras de proteção, vindas do além. Ele seguiu meus passos.
Entrevistador - Depois de tantos momentos de recordação, gostaria de deixar uma mensagem?
JP - Agradeço assim à minha família, aos meus amigos, dizendo que sempre fiz o que pude por eles, por isso mesmo, me esqueci de mim!
Entrevistador - Comovido, eu me despeço de Vossa Excelência, na convicção de que suas palavras hão de pairar sobre o ideário do povo mineiro.


  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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MARTINS, Kao et MARTINS, Sebastião, O engenheiro da utopia,, Armazém de Idéias, Belo Horizonte, 1992
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