quinta-feira, 31 de julho de 2014

A HISTÓRIA DA DOR

A dor é necessária. É um indício de alguma perturbação física, como sinaliza a Semiótica. Onde há fumaça, há fogo. Alarme que dispara, geme, grita, exaspera.

A dor é, pois, um dos indícios de um mal surgido no corpo. Por ela, a localização desse mal é imediata. É o disparo de um alarme e, assim, a dor é indispensável. É o GPS do corpo. Localiza o mal.
Hoje, os carros e as residências instalam aparelhos sinalizadores de ocorrências perturbadoras. Vigilantes de noite e de dia. Por quaisquer motivos estranhos disparam os alarmes que anunciam ou denunciam ocorrências. Cumpre socorrer imediatamente. Fora disso, os alarmes continuam em ação até findar as baterias. No corpo, até findar a vida.
Entram em ação os bombeiros para apagar esse alarme: a dor. E, quem tem a competência, pode buscar outros elementos para identificar a origem dessa dor, pelas radiografias, tomografias ou exames laboratoriais. Todos são indicadores. A radiografia não resolve a dor, mas pode localizar a origem do mal. Assim os exames e a tomografia ou outros procedimentos vão caracterizar o sintoma. Indícios. A dor apenas comunica um mal, não é uma doença.

Imagine-se um corpo sem dor. Sem a cinestesia nas comunicações internas. Pegar uma brasa. Andar sobre um braseiro. A percepção tátil das formas, dos pesos e das temperaturas. Seria possível? Sem alarmes? Isso daria predominância ao mal, tão invisível, tão imperceptível, tão incurável.
A ausência da dor no ser humano torna o corpo disponível a doenças, imune às mais variadas formas de combate ao mal.
E as cirurgias? Tanto a humanidade padeceu pela dor nas cirurgias, nos acidentes, nas infecções. A extração de um dente, a mais inofensiva das ocorrências. O paciente era amarrado ao leito, tendo os braços e pernas imobilizadas. Também a cabeça. Assim, sem poder ter qualquer reação, o paciente era posto a uma tortura permissiva. Para alguns casos de cirurgia como de amputação, o paciente não resistia. Isto por séculos e séculos. Surgiu a hipnose. Ficou constatado que o médico Franz Anton Mesmer (1734 – 1815), utilizando a hipnose e o magnetismo, realizou centenas de cirurgias sem dor.
A humanidade não podia esperar mais. Surgiu a ANESTESIA, finalmente. As cirurgias eram terríveis e a pessoa devia ser amarrada, como foi dito, para não se mexer. Entravam em choque e muitos morriam antes de serem operados, segundo relatos de épocas passadas. A morfina representou um grande avanço, mas a anestesia só foi posta em prática no século XIX. Antes ainda o clorofórmio e o éter. Os gritos acompanhavam as incisões, até que no dia 16 de outubro de 1846, o dentista William Thomas Green Morton, (1819 – 1868), no Hospital Geral de Massachusetts, de Boston/EUA, aplicou éter antes de uma cirurgia e o paciente não sentiu nada. 
Morton não inventou o éter, mas foi o primeiro a notificar o feito à comunidade científica. O relato dessa aplicação foi publicado no Boston Medical and Sergical Journal. Consta que o médico Crawford Williamson Long, (1815 – 1878) tenha feito uma cirurgia da extração de um tumor de um paciente, utilizando o éter, em 1842. 
A descoberta do éter é devida a Valerius Cordus, (1515 – 1544), portanto, no século XVI, e o termo “anestesia” deve-se o crédito a Oliver Wendell Holmes (1809 – 1894). 
Morton, mesmo assim, é considerado o pioneiro dessa nova era para os cirurgiões e, especialmente, para os pacientes de todo o mundo. Como viver sem anestesia?
Assim, em conclusão irônica, pode-se relembrar de Virgílio, poeta latino: “Nós é que somos felizes porque vivemos nestes tempos modernos”. 
A dor é necessária, mas não tanto assim!

sábado, 19 de julho de 2014

PROCURANDO NAMORADA


Se alguém resolver encontrar namorada, entre no bate-papo pela internet. Mas, cuidado! Poderá encontrar piranhas, ciladas, armadilhas. É fácil entrar numa gelada. Difícil é sair dela. (Texto do livro “Em nome do filho”)

Nicácio Göebel, um jovem de dezesseis anos, quase dezessete, como gostava de dizer, chegou à Capital para um fim de semana, a convite de um primo.
Numa tarde, sozinho em casa, pegou um computador que lá estava e começou a fuçar, até que caiu num bate-papo sem limites. Foi bom demais e encontrou uma garota que queria conversa comprida. Adotou o nick de Gatossério e ela era a tal de Sissi.
Ele abriu a sala de bate-papo e escreveu que procurava uma garota alegre e desimpedida para uma conversa séria com um gato sério. E, sem imaginar a velocidade da comunicação, uma pessoa respondeu, dando uma cantada logo de cara: Ei, gatinho! Curte um papo firme com uma garota independente? Claro que topo. Que está procurando? Estou procurando um gatinho malvado. Então encontrou. Sou gato cheio de unhas e dentes. E eu sou uma garota cheia de laços e fitas pra te amarrar. Amarrar no meu pescoço? Sim, amarrar vc todo, pés, braços e coração. Vai ser difícil porque eu sou um gato muito arisco. Mas eu sou garota levada e tenho armadilhas pra te prender. Eu mio muito, sou gato selvagem. Eu gosto. Já peguei um na minha armadilha e agora estou treinada. Onde você prendeu? Debaixo da saia? Lugar quente? Quente e aconchegante. Nestes lugares eu me enrosco também e não tenho medo da sua armadilha. Pode me prender como vc quiser. Mas vc gosta de uma garotinha levada? Gosto das levadas e das trazidas. Quantos anos vc tem? Eu tenho quase dezessete.
E vc? Eu tenho quase vinte e sete. Nossa! Do jeito de gato que eu procuro. E eu fico pensando nessa garota levada me trazendo um pouco do seu cheirinho gostoso. Como é vc, garota? Sou morena clara, olhos pretos e corpinho em forma. Não sou modelo magrinha, não. Sou cheinha. Com muito amor pra dar. Mas e vc, gato? Como é vc? Sou garoto comum, de 1,75m, branco, muito branco, neto de alemães. E vc gosta de morenas? Não é o meu forte. Que tipo vc gosta? Gosto de louras. Que pena! Sou morena. Mas vc deve ter outras qualidades. Vc se apaixonaria por uma morena? Acho que não. Tudo depende do carinho. Estou decepcionada. Queria tanto me apaixonar por vc. Pode apaixonar, isso não é problema. Mas vc disse que gosta de louras branquelas. Sim... isso é um pensamento, uma ideia de sonho de garoto. Isso já me dá mais tranquilidade. Vc mora onde? Estou no centro da cidade, a serviço. Não moro aqui. E vc onde está? Estou no bairro Planalto. Conhece? Não, não conheço nenhum bairro da capital. Quer vir a minha casa? Fazer o quê? Me conhecer. Impossível. Não conheço bairros, como te disse. Se conhecesse, vc viria? Não sei. Tenho que pensar muito. Sou gato sério e tenho medo da sua armadilha. Ficou com medo de mim, bobinho? Medo, não. Fiquei analisando. Analisando o quê? O que vc tem para oferecer. Tenho muitas coisas. Que coisas? Docinhos. Só isso? Carinhos, beijinhos. Só isso? Que vc quer mais? Quero deitar na cama com vc. Tenho namorado. Pode ter um a mais. Além disso, não preciso ser seu namorado. A conversa está ficando muito perigosa. Sem problemas. Então, vou sair e trabalhar. Não sai agora. Gostei de vc. Vc disse que tem namorado, então não vai querer nada comigo. Quero sim. Vc vai trair o pobre coitado? Não. Meu namoro é sem compromisso. Vc já transou com ele? Pergunta mais indecente. Não vou responder. Se não responder é porque já transou com ele. Vc é muito indiscreto. Perguntar não ofende, como dizem. Não quero responder essa pergunta. Tudo bem, então vou sair e trabalhar um pouco. Sabe que é hora de trabalho? Eu não trabalho, eu estudo o dia inteiro. Ok. Se quiser amanhã podemos conversar novamente. Pode ser. Que hora? Às quatro da tarde. Tudo bem, amanhã então fico te esperando na net.  Bjinho.Bjinho... Bjão. Bjão. 

No dia seguinte, Nicácio estava despreocupado no seu repouso em casa, e só se lembrou da Sissi às 5 horas da tarde. Como ele estava sozinho, resolveu brincar um pouco e abriu o computador. Logo que entrou na net, ela entrou rachando: tem mais de uma hora que eu estou te esperando. Estava trabalhando. E esse tal de trabalho é mais importante do que eu? Claro que sim. Grosseiro que vc é. Então vou sair. Não, espere que eu tenho outras coisas pra complementar o que vc precisa ouvir. Sim... pode falar. Não sei por que estou conversando ainda com vc. Fiquei esperando, procurando vc em todas as salas. Por que vc fez isso? Porque me comprometi de chegar à net às 4 horas. Lembra? Lembro. Então? Então o quê? Vc ainda tem coragem de perguntar? E se eu estivesse na rua te esperando? Ia arranjar um novo namorado pra conversar. Eu já tenho namorado. Então, tudo fica na mesma. Vc pensa assim? Posso fazer uma pergunta? Pode. Vc quer namorar comigo? Não. Vc é muito grosseiro. Não, sou franco. Só por que eu sou morena? Não é somente por isso, eu não moro nesta cidade, estou indo embora na segunda-feira. Está indo embora para o fim do mundo? Não, minha cidade fica aqui perto. Então? Que desculpa ainda quer dar? Eu trabalho demais na minha cidade e não tenho tempo. Vc é um gato muito bobinho. Trabalhar não mata ninguém. Mas eu estudo e trabalho com meu pai. Mentira. Verdade. 
Então vc já é um homenzinho? Responsável e trabalhador? Claro que sou. Eu não te falei que era menor de idade, pois já tenho 28 anos. Então eu fiquei mais ligada a vc. Não gosto de garoto que fica na rua, com fone no ouvido o dia inteiro. Trabalhar é minha vida. Gostei de vc, quer casar comigo? Eu não vou casar. Não vou casar com ninguém. Pensa que eu não sei que vc está procurando uma loura branquela? Só porque eu sou morena. Na verdade eu gosto de louras. Eu sou morena, mas sou bonita e gostosa. Não provei isso ainda, portanto, não sei. Não prova porque não quer. De longe, como é que eu vou provar? Vem à minha casa. Nunca. Nunca? Não sei onde é esse tal de bairro Planalto. E se soubesse? Se soubesse teria que pensar. Vc é um garoto sem iniciativa. Pode ser que seja. Eu sou mais ousada do que vc. Pode ser. As mulheres têm que ser ousadas. Melhor assim. Os homens ficam parados, indecisos. Alguns. Alguns, não. Todos. Eu também? Vc principalmente. Que andar vc mora? 15º. E qual o número do apartamento? 1516. Amanhã de tarde eu vou aí. Isso é loucura. Quando eu gosto de alguma coisa eu gosto mesmo e assumo. Eu não posso receber visitas. Por que não pode? O ap. não é meu. Mas vc está tomando conta. Está pensando que eu vou roubar alguma coisa de vc? Não, não é isso. Tem medo das minhas armadilhas? Não. Gosto da sua armadilha e dos seus laços e fitas, mas deixe para a outra vez que eu vier aqui. Não, amanhã ou nunca. Então, nunca. Enganador. Diz que gosta da minha armadilha e agora cai fora. Não, não é isso. Ou vc não gosta de mulher? Não, não é isso. Gosto das armadilhas das mulheres e sempre entrei de cara. Gosta de garotas? Claro que gosto. Já teve uma garota na cama? Pergunta indiscreta. Já? Responda. Claro que já. Não tenho dezesseis anos. Já disse que tenho 26. Tem 26 ou 28? Já disse. 
Já transou com garotas? Claro. Sim, por que esse espanto? Vc também não transou com seu namorado? Quem te disse isso? Vc me contou ontem. Eu contei? Contou e disse que seu namorado não tinha compromisso com vc. Sei que vc é fofoqueiro demais. Fica perguntando e anota tudo. Nada disso, presto atenção nas suas palavras. Vc está interessado em mim? Claro que estou. Se não estivesse não estaria conversando com vc esse tempo todo. Será que vc vai gostar de mim? Sei que vc é morena. Assim pode não estar nos meus planos. Vc é racista? Por que vc quer saber? Pergunto. Não respondo. Então é verdade. Não é verdade, não me importo com essas coisas, sou superior a essas questões, tenho a minha ideia da vida e quero continuar. Por isso, gosta de louras branquelas? Não sei por que, mas isso é questão de preferência apenas, não quer dizer nada. Então vc não transaria com uma negra? Depende. Depende de quê? Depende da hora e do lugar. Minha mãe é negra. Sim... e o que tem isso? Tem que eu não sou loura, que eu gostaria de ser pra poder namorar vc. Só pra isso? Não, tem outras coisas. Que coisas? Tenho vergonha da minha mãe. Então vc é que é racista. Minha mãe é muito inteligente. Então, não precisa ter vergonha. Ela trabalha muito. Onde ela trabalha? Ela é curadora do Palácio. Que palácio? Palácio da Liberdade, bobinho, aqui só tem um. E o que é curadora? Ela é a gerente-geral administrativa. Deve ganhar uma nota. Nada, vivo sempre precisando de coisas e ela, miserável, não me dá. Vc deve ser muito exigente. Sou pobre, pobre. É mais rica do que eu que não tenho nada. 
Não tem porque não quer, se quisesse ia me ter nos seus braços. Calma, menina, eu sou um touro na cama, vc vai se assustar comigo. Oba! Está melhorando. Vou aí, se a minha mãe for trabalhar cedo. Aqui eu não posso te receber, não tem nem cadeira, só tem cama. Melhor assim. Acho que a minha mãe não vai trabalhar amanhã, assim, depois de amanhã, sexta-feira eu vou te visitar. Não faça isso. Eu não posso ser responsabilizado por nada, como disse, eu sou um touro e fico bufando à toa. Isso mesmo. Vou sair. Meus amigos estão chegando. Que pena, amanhã, às quatro horas? Talvez. Talvez, não, com certeza, preciso de vc. Ok, adeus. Adeus, não, bjim, bjim. Bjão, bjão. Fui.

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